A você, meu pai

Pai, eis que por esses dias sua lembrança se fez presente. Lembrei-me, de imediato, das manhãs de domingo, quando saíamos, após o café da manhã, para ir ao mercado comprar refrigerante, a massa, o molho de tomate, a carne moída e o queijo ralado para a tradicional macarronada, preparada pela mãe no almoço.

 

Havia a sacola verde escura, bem resistente e grande, onde colocávamos as compras. Na volta, passávamos na banca e você comprava o jornal, além de sempre deixar que eu escolhesse algum gibi.

 

Já em casa, eu ficava assistindo à TV, nossa velha TV preto e branco. A memória me trai um pouco, mas acho que eu via algum programa infantil, ou algo que o valha, que me fazia ficar entretido até o almoço ficar pronto. Na minha gula infantil, repetia o prato pelo menos uma vez, sempre “armado” com os talheres azuis.

 

Você lavava a louça. Eu ficava vendo mais um pouco de TV com a mãe, que a partir desse momento era a responsável pela escolha do que assistíamos – geralmente Silvio Santos.

 

No meio da tarde, lembro que você lia o jornal, ouvindo o jogo de futebol pelo rádio. Foi ali que passei a gostar de ouvir rádio. Também pudera. Aquelas narrativas me deixavam tenso, imaginando como seria cada um daqueles lances. Acabada a partida, arrumávamos a mesa de jantar para aí, sim, disputarmos quem era o melhor no futebol de botão. Quantos jogos memoráveis disputamos naquele “campo”… Tenho quase certeza que você me deixou ganhar a maioria deles.

 

Quando o almoço não era em casa – e acho que íamos ao menos uma vez por mês comer fora aos domingos – acordávamos cedo e nosso destino era a “cidade”. O velho centro velho, onde iniciávamos com a missa na Catedral da Sé, as pipocas que eu jogava para os pombos ali na praça e a tradicional ida a um restaurante de comida chinesa na Liberdade. Foi lá, aliás, que aprendi, na marra, a como usar os tais do “hashi”. Para finalizar, dávamos uma volta pela feira de artigos orientais do bairro.

 

Eu, que gosto muito de música e não saberia viver sem ela, tenho bem registrado o seu legado musical. Tudo escutado por meio das fitas cassetes que você comprava e colocava para ouvirmos no rádio, já que não tínhamos aparelho de som. De cara, Roberto Carlos e todos os nomes da Jovem Guarda. Tinha também bastante Milton Nascimento, Simone, algumas do Chico Buarque e, para minha surpresa naquele momento e eu não compreendia muito bem, Raul Seixas.

 

É verdade que nos afastamos por um bom tempo, mesmo convivendo juntos. Nossa história nos levou a isso. Mas não cabe aqui nenhuma queixa nem arrependimento. Pelo contrário. Se hoje sou quem sou, devo muito a você. Sem dúvida. E o melhor: estamos mais próximos hoje do que nunca estivemos. Mais do que pai e filho, somos parceiros. De vida. A você, meu pai, um beijo. O abraço deixo para nosso próximo encontro.

 

Para lembrar um pouco desses momentos, a música selecionada não poderia ser outra:

 

 

TENTE OUTRA VEZ

(Raul Seixas)

 

 

Veja!
Não diga que a canção
Está perdida
Tenha fé em Deus
Tenha fé na vida
Tente outra vez!

 

Beba! (Beba!)
Pois a água viva
Ainda tá na fonte
(Tente outra vez!)
Você tem dois pés
Para cruzar a ponte
Nada acabou!
Não! Não! Não!

 

Oh! Oh! Oh! Oh!
Tente!
Levante sua mão sedenta
E recomece a andar
Não pense
Que a cabeça aguenta
Se você parar
Não! Não! Não!
Não! Não! Não!

 

Há uma voz que canta
Uma voz que dança
Uma voz que gira
(Gira!)
Bailando no ar
Uh! Uh! Uh!

 

Queira! (Queira!)
Basta ser sincero
E desejar profundo
Você será capaz
De sacudir o mundo
Vai!
Tente outra vez!

 

Tente! (Tente!)
E não diga
Que a vitória está perdida
Se é de batalhas
Que se vive a vida
Tente outra vez!

 

 

E eis o vídeo com o próprio Raulzito:

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