A música da semana – 23 a 27 julho/2012

A seleção dessa semana presta uma homenagem ao Cidão. Dono de um bar na Vila Madalena, que leva seu nome (apesar da razão social, se não me engano, ser uma expressão francesa), este ex-caminhoneiro criou um espaço único, em que prevalecem o chorinho e o samba. Um local em que a velha e a nova geração se encontram em busca, apenas, da boa música. O que sempre me chamou a atenção no bar é perceber que a cultura, a alma da grande boemia e a tradição desses dois estilos musicais estão bem preservadas. Mas nesta semana, para quem ainda não sabe ou não conhece o espaço, Cidão partiu da terrena Vila Madalena para atender uma outra freguesia no céu. Daí que uma canção me veio à mente. Guardadas as devidas comparações, julgo que ela dá uma noção do que significa tal perda. A música é da Comunidade Samba da Vela, e em que pese ter sido feita para falar da história desse outro marco importante de São Paulo, tomo liberdade de oferecê-la ao Cidão. Saravá! E que sua história, Cidão, sirva de exemplo para continuarmos reverenciando o bom choro e a tradição do samba.

 

A comunidade chora

(Magnu Sousa / Maurílio de Oliveira / Edvaldo Galdino)

Quando a vela acender
Eu vou cantar meu samba até prevalecer
A luz que ilumina o compositor
Que tem a luz nos olhos seus
Eu rezo pra essa chama tão crepuscular
Durar mais um minuto nessa hora
Ah! Porque senão a comunidade chora
A comunidade chora 

Chora, chora…
A comunidade chora
A comunidade chora 

Quando a vela se apagar e o samba terminar
Saudade não me deixe ir embora
Meu peito vazio implora
Que uma luz me ilumine agora! 

Chora, chora…
A comunidade chora
A comunidade chora

Chora porque a vela se apagou
Porque o samba terminou 

Chora, chora…
A comunidade chora
A comunidade chora

E aqui está o vídeo de “A comunidade chora”:

A música da semana – 16 a 20 julho/2012

“Eu te prometi mundos e fundos / Mas não queria te magoar / Eu não resisto aos botequins mais vagabundos…”. Não conhecia essa canção e quando a ouvi, apresentada por um amigo músico, encantamento puro. Uma grata sensação de que poesia e vida, ainda bem, se misturam. “E estrela é só um incêndio na solidão…” Bem, se é assim, a música da semana é “Pra que pedir perdão?”. Dá-lhe Moacyr Luz e mestre Aldir Blanc!

Pra que pedir perdão?

(Moacyr Luz & Aldir Blanc)

Se é pra recordar dessa maneira,
Sempre causando desprazer,
Jogando fora a vida em mais uma bebedeira,
Ó, sinceramente, é preferível me esquecer

Eu te prometi mundos e fundos
Mas não queria te magoar
Eu não resisto aos botequins mais vagabundos
Mas não pretendia te envergonhar
Marquei bobeira…

Vi muitas vezes o destino
Ir na direção errada
E a bondade virar completo desatino
A carícia se transformando em bofetada

Ah, eu sou rolimã numa ladeira
Não tenho o vício da ilusão:
Hoje, eu vejo as coisas como são
E estrela é só um incêndio na solidão
Se eu feri teu sonho em pleno voo
Pra que pedir perdão se eu não me perdoo?

 

Aqui a música, na interpretação do próprio Moacyr Luz…

Os abraços de Cassia

Acredito que as mulheres têm uma percepção fora do comum, muito mais evoluída do que nós, homens. E talvez seja justamente isso que as torne tão especiais e lhes confira tamanha força e sensibilidade suficientes para encarar os percalços do dia a dia.

Cassia é uma dessas mulheres pelas quais nutro grande admiração. Não me lembro de quando a vi pela primeira vez. Não tenho esse registro, infelizmente. Desconfio que tenha sido, muito provavelmente, no Bar do Alemão, reduto da boa música e boemia, na zona oeste.

Apesar do pouco tempo que nos conhecemos, tenho a sensação de que somos amigos de longa data. Voz rouca, com um astral incrível, demonstra uma vontade imensa de compartilhar com as pessoas os bons momentos que a vida nos proporciona.

O que mais me cativa nela é a sua capacidade de sempre encarar as mais diversas situações com bom humor, com uma grandeza d´alma que somente quem tem um coração gentil e grande é capaz de fazer.

Gosto da maneira como Cassia nos abraça. Ela envolve você nos braços. É como se estivesse abraçando a si mesma. Reconfortante, envolvente, caloroso, aconchegante… assim é o seu abraço. Sem falar nos beijos, por vezes estalados, deixados nos seus milhares de amigos. Tenho a desconfiança de que ela celebra a vida nos seus mais mínimos detalhes. Experiência de uma boa vida, que é compartilhada com quem está ao seu redor.

Lembro-me de que, determinada vez, levou uma de suas filhas para conhecer um bar que costumamos, por vezes, frequentar. Mãe corujíssima, fazia questão de apresentá-la às pessoas, sempre dizendo: “Não é linda? Fui eu quem fiz…” Pudera, né…

Alegria, sorriso, risos… Não consigo imaginá-la chorando. Não me passa pela cabeça vê-la em meio a lágrimas. Mas, Cassia, tenha certeza: se algum dia você precisar de um ombro, de um colo amigo, recorra, sem cerimônia alguma, a este diletante “colecionador de histórias”. Afinal, a sua história, por mais que eu não tenha os pormenores, já faz parte da minha preciosa coleção.

Apenas uma observação: se isso acontecer, peço que me devolvas, posteriormente ao uso, o meu ombro. Pois desconfio que, daqui a alguns anos, vou precisar dele para continuar caminhando. Um beijo e até nosso próximo encontro. Que, espero, seja breve, muito em breve.

A música da semana – 9 a 13 julho/2012

A música desta semana tem a ver com um personagem retratado anteriormente no blog. Encontrei com Tom por esses dias e, numa rápida conversa, ele disse que tinha feito as pazes consigo mesmo, com os acertos e, principalmente, com os desacertos de sua vida. E que, finalmente, entendera o que significava relacionar-se amorosamente. Perguntei se Tom conseguira encontrar o seu caminho, o seu tom – lembro que ele decidira encontrar uma mulher que o tornasse um homem melhor. E eis que ouço da boca do próprio Tom: “Sim. E, quem sabe, ela seja, de fato, o tom da minha vida…” Em tempo, a canção selecionada é “Obrigado”, de Eduardo Gudin. Bela letra que mostra a necessidade de sempre caminhar em frente. Dito de outra forma: as coisas, por piores que sejam, passam. E nada melhor, para isso, que um dia após o outro. Boa sorte, Tom, vá em frente!

 

 

Obrigado

(Eduardo Gudin)

 

Venho apesar desse resto de mágoa
Pra lhe dizer
Obrigado a você
Que já não me importa se o amor
Foi de guerra ou de paz
Meu caminho começa
Onde o tempo começa a contar
Quanto tempo faz

 

Nada nas mãos
Nem ao menos saudade
De uma canção
Mesmo assim é um prazer
Saber que eu me sinto à vontade
Pra lhe agradecer
Pelas horas, mil horas num dia
Mil dias, mil formas de se viver

 

Ah, por que solidão
Por que não prazer
Por que foi assim
Ou deixou de ser
Porque era calmo de enlouquecer

 

Ou eram ventos mais violentos de naufragar
Mesmo assim fomos contra a corrente
Buscando algum porto pra se chegar

 

Aqui o vídeo, na interpretação de Márcia Lopes, que integra a primeira formação do grupo Notícias Dum Brasil:

Um beijo redentor

Pedro estava feliz. Se não totalmente feliz, ao menos havia feito as pazes com seus fantasmas. Explica-se: tímido por natureza, e com uma crença enorme nas possibilidades do amor, ele tinha uma dificuldade tremenda em procurar aquela mulher que o transformasse em um homem melhor para o mundo.

Gostava da boemia, da velha e boa boemia. De caminhar de bar em bar para ouvir as canções mais vagabundas que retratassem o apego à vida. Por conta disso, acabava conhecendo um monte de gente na noite.

Era um sujeito boa praça. Excelente proseador, quando menos se esperava, lá estava ele bebendo com um novo desconhecido, falando ironicamente das mazelas e sutilezas do cotidiano, das relações amorosas, das idas e vindas do destino… enfim, tudo era motivo para conversar e beber.

Quase se casara. E para alguns, esse era o motivo do seu recolhimento, do seu temor de buscar outro relacionamento: o quase. Sempre encontrava uma razão para não se arriscar à possibilidade de conhecer uma mulher. Até mesmo quando ocorria de lhe roubarem taciturnamente um beijo, encontrava uma forma de sabotar a ocasião.

Desde que terminara com Ivany, nunca mais a vira. Ela fizera por ele o que Pedro nunca tivera a coragem suficiente de realizar ou ser: assumir a responsabilidade pelos seus próprios atos. Por Ivany, investira-se de crenças, fantasias e até mesmo de euforia pelo dia a dia ao lado da pessoa amada. Viver, eis a adrenalina que encontrara naquela relação.

Por isso, acreditava que depois de ter terminado com ela, não seria mais o mesmo. Até que… Numa dessas andanças, conhecera aquela moça. Que sorrateiramente também lhe roubara um beijo. Mas, dessa vez, algo de novo acontecera. Retribuíra, com a mesma intensidade, aquele ato. E gostara do sabor daqueles lábios.

Sim, Pedro voltara a enxergar a possibilidade de um caminho mais alegre. Para onde iria esse trajeto? Isso ele não sabe. Mas quer saber: não estava nem um pouco preocupado. Finalmente compreendera que sua relação com Ivany dera certo, sim, enquanto durara e que esse encontro lhe dera a base para não desistir e estar preparado para algo melhor.

De volta à cena do beijo. Ao se despedir da moça e vê-la caminhar rumo ao portão do prédio, teve a certeza de que a vida, sim, valia a pena e que nela não há espaço para assombrações. Apenas a certeza de que o destino deve ser seguido sem percalços. Sorriu e passou a caminhar vagarosa e levemente pela calçada, rumo a um novo amanhecer.

A música da semana – 2 a 6 julho/2012

A selecionada desta semana presta uma homenagem a um sambista (na essência da definição) de marca maior, por vezes (ou seria muito?) esquecido. Autor de várias composições e inimigo/amigo de polêmicas com Noel Rosa – eles se “confrontavam” fazendo canções com que desafiavam a veia criativa um do outro. Suas músicas foram gravadas, nada mais nada menos, por artistas como Almirante, Chico Alves e Silvio Caldas. Malandro (dentro da tradição da boa e velha malandragem) e frequentador de cabarés da Lapa carioca, Wilson Baptista é o nome que este colecionador de histórias traz nesta semana, por meio de uma composição, se não me engano, de meados da década de 40. Ah, sim, justiça seja feita. Lembrei-me de “Louco” por causa de um casal de amigos-músicos: Ricardo Potí e Lílian Estela. Meus caros, essa é em especial para vocês…

 

Louco (Ela é seu mundo)

(Wilson Baptista/Henrique de Almeida)

 

Louco, pelas ruas ele andava
O coitado chorava
Transformou-se até num vagabundo
Louco, para ele a vida não valia nada
Para ele a mulher amada
Era seu mundo

 

Conselhos eu lhe dei
Para ele se aquecer
Aquele falso amor
Ele se convenceu
Que ela nunca mereceu
Nem reparou
Sua grande dor
Que louco

 

E eis aqui o vídeo, na interpretação de João Gilberto: