O boêmio convertido

Casado e pai de três filhos, Gervásio era caminhoneiro. Conhecia um monte de gente nos diversos locais que frequentava por conta das viagens que era obrigado a fazer. Aliás, vivia sempre em busca de aventuras – principalmente se houvesse presença feminina.

Tinha vários amigos e conhecidos. Não era nem de longe bonito. Pelo contrário, sua aparência causava desconfiança à primeira vista. “Achava que ele fosse um bandido”, dizia um de seus amigos, com quem costumava falar quase toda semana, mesmo que estivesse em viagem.

Na agenda do celular, além dos números de telefones dos amigos, havia uma infinidade de contatos femininos. Não chegava a ser mulherengo, mas não perdia uma oportunidade, caso aparecesse ou lhe dessem brecha. Possuía um código de fidelidade às amizades masculinas.

Malandreado, adorava a noite. Muitas vezes virava a madrugada pelo simples prazer de ficar bebendo e jogando conversa fora. “Qual é a finta?”, costumava indagar, quando estava a fim de se divertir. Ele conhecia como poucos uma infinidade de botecos, de bares de estrada – alguns bem sujos, outros bem pé no chão, sem falar de estabelecimentos tidos como de luxo.

Magro, com cerca de 1,65 metros de altura, adorava usar bermudas, mesmo no inverno. As pessoas – homens, mulheres e crianças – gostavam muito dele, mesmo sabendo da sua coleção de namoradinhas. E como tinha namoradas. Gordas, magras, jovens, outras não tão jovens, solteiras, viúvas, casadas… Com ele não havia impeditivos, em se tratando de um bom rabo de saia. Vivia financeiramente pendurado. A mulher, católica e carola, desconfiava dos seus casos, mas o que a deixava extremamente furiosa era o seu jeito boêmio. Contudo, Gervásio não deixava faltar nada em casa.

“Somente um filho macho vai aquietar você, homem”, dizia sua mulher. E de tanto falar nisso e insistir, ficou grávida de um menino, após quase 20 anos da primeira filha. Não era algo previsto, que ele quisesse. Tanto que quando soube, pensou em sugerir que ela interrompesse a gravidez. Mas a bebida, os amigos e as companhias de noitadas afora fizeram com que se esquecesse da ideia. Aliás, nas três gestações nunca deixou de sair, beber, virar madrugada, ter seus casos e aumentar ainda mais a sua lista de namoradas. O mais incrível é que sempre dizia a todos os seus casos, em alto e bom som, que jamais se separaria da sua mulher.

Porém, recentemente, algo anda diferente na vida de Gervásio. Pressionado pela mulher, deu entrada e está pagando direitinho as parcelas da casa própria. Esse dinheiro é  sagrado. Pode até ficar devendo para os amigos as “fintas” noturnas, mas jamais deixa, todo mês, de entregar o valor da prestação à sua esposa. Além disso, o filho, agora com cinco anos, passou a prendê-lo, um pouco mais, em casa. Conversava sempre com o garoto, que se considerava o homem daquela casa nas ausências do pai. E, sem esforço algum, começou a chegar mais cedo. Tudo a pedido do filho.

A consciência de que tinha de dar exemplo para o menino fez com que refletisse e começasse a se sentir responsável enquanto chefe de família. Como lhe dissera sua mulher, somente aquele filho para dar um novo rumo à sua vida. Ele acabou sumindo dos bares e botecos. A centena de amigos que fez ao longo de suas andanças continuam, até hoje, sem conhecer sua mulher, suas duas filhas e o pequeno grande companheiro de Gervásio, que o levou a essa súbita conversão.

Simplesmente Maria

Há mulheres que são encantadoras justamente por exercerem um fascínio todo singular, peculiar, capaz de acalentar o olhar masculino. Maria é uma dessas mulheres encantadas. Filha única, é socióloga e gosta, além de conhecer como poucos, de uma boa roda de samba.

Foi casada duas vezes. Não teve filhos. Mora em um simpático prédio antigo, de três andares, desses que não têm elevador, em Perdizes.

Apaixonada pela vida, mantém uma curiosidade e interesse atroz por conhecer gente nova. E é essa paixão radiante, de quem tem uma necessidade de viver intensamente cada segundo, que a torna divinamente encantadora.

Nunca a vi chorar. Pelo contrário, toda vez que a encontro tenho a agradável sensação de bem-estar, de aconchego, de bem-querer por estar ao lado de uma mulher que preenche nossos olhos e corações com uma intempestiva alegria d´alma.

Fumante, não dispensa uma cerveja ou vinho e, claro, um bom papo com as centenas de amigos e colegas que só faz aumentar ao longo dos tempos. É difícil imaginá-la triste, pois está quase sempre a cantarolar. Em tempo, seus cabelos brancos são um charme à parte.

Uma vez ouvi uma história a seu respeito que não sei, porque nunca quis perguntar, se é verídica ou não. Quando trabalhava em Brasília, todas as segundas-feiras, ao final do expediente, pegava um voo para São Paulo. O motivo? Simples: ela vinha conferir uma roda de samba, onde dançava até não poder mais. Na manhã seguinte, logo bem cedo, retornava para o Distrito Federal com as energias revigoradas, pronta para encarar mais uma semana de trabalho árduo.

Tenho respeito e muito orgulho por ser amigo da Maria. De poder compartilhar com ela bons momentos da mais pura alegria. De dar risadas ao seu lado. Maria, com você tenho a obrigação de saber reverenciar a vida. De modo que tenho aprendido, na correria e mazela do cotidiano, a me tornar uma pessoa melhor para o mundo.